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Artigo – Análise de riscos na aquisição do imóvel congruente à pretensão de segurança jurídica
13 DE MARçO DE 2024
Adquirir um imóvel é um objetivo importante, mas cuidados como o registro no cartório são essenciais para evitar problemas legais e perda de propriedade no futuro.
I. INTRODUÇÃO
A aquisição de um imóvel é um marco significativo para a maioria da população brasileira, sendo considerado por muitos como um verdadeiro objetivo de vida, seja para fins de habitação ou mesmo para investimentos.
Todavia, o que não se sabe ou o que não é muito propagado pelos meios de comunicação, são as necessidades de zelo/cuidado ao realizar a aquisição de um imóvel, a fim de evitar enormes problemas no futuro, desde uma simples interferência ou até mesmo a perda total do imóvel.
Isto pois, existem algumas situações que podem ensejar a perda da propriedade por falta de inobservâncias às condições do imóvel ou até mesmo condições inerentes ao próprio vendedor.
De início, importante ressaltar um dos maiores contratempos que vêm se tornando bastante recorrente nos últimos anos, e que por muita das vezes, acabam tornando-se demandas jurídicas.
Nesse contexto, trata-se da ausência de registro da compra do imóvel no cartório de registro de imóveis da respectiva circunscrição. Parte significativa da população brasileira, acredita que o mero contrato de compra e venda é o suficiente para satisfazer seu status de proprietário, todavia, a transferência da propriedade só se realizada com o registro de compra e venda no cartório competente.
No ordenamento jurídico brasileiro, é imprescindível o registro do título para transferência da propriedade, consoante se observa dos arts. 1.227 e 1.245 do Código Civil, veja-se:
Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel (Brasil, 2002).
Em outras palavras, só se adquire a propriedade da “coisa” após o registro do título imobiliário, sendo que na ausência deste, presume-se ainda como proprietário, o alienador/vendedor, permanecendo o status quo.
Tal previsão legislativa se deu no intuito de obrigar a publicidade do ato firmado entre as partes para propor maior segurança jurídica para as partes, bem como, de terceiros que possam vir a ter interesse na negociação avençada.
Assim sendo, a ausência de registro de compra e venda no cartório competente, seja para contornar o pagamento de Imposto de transmissão de bens imóveis – ITBI ou até mesmo por inobservância legal pode gerar grandes consequências no futuro.
Nessa toada, diz-se no brocardo jurídico, que o “direito não socorre aos que dormem”, razão pela qual, a inobservância dos trâmites legais poderá ocasionar a restrição de direito do imóvel adquirido, seja de forma temporária ou definitiva.
Consideremos a seguinte situação: A vende um imóvel para B, mas este último não procede com o registro da transação no cartório apropriado. Após o decurso de alguns anos, A é demandado em processo judicial, vindo a sofrer penhora de seu único imóvel registrado em seu nome, qual seja, o imóvel que havia alienado alguns anos atrás.
Em razão disso, como a venda efetuada não foi publicizada (registrada), o alienador/vendedor “A” continuara como proprietário, razão pela qual, o agente “B”, comprador de boa-fé, necessitará de ingressar com demanda judicial para vir resguardar os direitos do imóvel adquirido previamente.
Feita as explanações acerca das problemáticas da ausência de registro de compra e venda do imóvel, passemos a análise dos riscos na aquisição do imóvel noutro plano. Para tanto, chama-se o destaque para a análise das seguintes documentações no momento prévio à aquisição do imóvel, quais sejam, os documentos do imóvel, e documentos do vendedor.
II. DOCUMENTOS DO IMÓVEL
Em origem, importante ressaltar a análise pormenorizada das seguintes documentações do imóvel, tais quais: i) certidão de inteiro teor; ii) certidão negativa de IPTU; e iii) certidão negativa de débitos de condomínio.
a) Certidão de inteiro teor: a emissão e análise dessa documentação é indispensável para a negociação imobiliária, uma vez que o referido documento permitirá a visualização de todo o histórico do imóvel, desde registros datados da sua criação até a data de emissão do documento, exibindo se o imóvel possui alguma restrição de direito.
Em uma linguagem figurada, digamos ser a biografia do imóvel, onde conterá todas as informações necessárias referentes ao imóvel, desde o registro da primeira venda e as sucessivas, até questões como, existência de alienação fiduciária, valores, indisponibilidade, averbação premonitória, penhora entre outros.
Nesse sentido, tal procedimento permitirá visualizar quais as restrições de direito que o imóvel possui, para que então, o comprador possa avaliar os riscos quanto à aquisição do imóvel.
b) Certidão negativa de IPTU e débitos condominiais: No que tange a análise das certidões negativas de débitos, esta permitirá visualizar se o imóvel possui débitos existentes. Em alguns casos, o comprador adquire propriedade sem a análise das referidas documentações, o que, eventualmente pode se tornar um grande problema, pois, no caso de existência de débitos do imóvel, o comprador terá adquirido seus débitos também.
Isto porque, os débitos de IPTU e os débitos condominiais, são obrigações denominadas como propter rem, ou seja, são obrigações que acompanham o imóvel, recaindo, portanto, sobre o titular/proprietário do bem imóvel. Em outras palavras, com a transferência do imóvel, também se transfere os débitos existentes vinculados àquele.
Assim preleciona o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves:
“Obrigação propter rem é a que recai sobre uma pessoa, por força de determinado direito real. Só existe em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa”. (Gonçalves, Carlos Roberto Direito civil: obrigações – contratos – parte geral – v. 1 Carlos Roberto Gonçalves coord. Pedro Lenza. – 11. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021. P. 807).
Nesse sentido, o comprador ao adquirir o imóvel, também adquirirá, eventuais obrigações referentes ao imóvel, uma vez que o débito acompanha a coisa (imóvel). Por isso, a necessidade de análise prévia das certidões negativas de débitos inerentes ao imóvel, quais sejam, o de IPTU e Condomínio.
Quanto a essa problemática, já é entendimento jurisprudencial majoritário, a possibilidade de penhora do imóvel para pagamento das obrigações propter rem, mesmo que o atual proprietário não tenha participado da fase de conhecimento da demanda judicial, ou ainda, que a referida propriedade se trate de bem de família.
Portanto, é fundamental checar a existência de pendências condominiais e de IPTU atrelados ao imóvel pretendido antes de efetuar a compra; do contrário, o comprador corre o risco de adquirir uma propriedade com encargos significativos.
Assim sendo, o comprador não poderá escusar-se do pagamento do débito, em razão do débito de IPTU e condominial serem obrigações propter rem, razão pela qual, em caso de inadimplência, haverá a possibilidade de penhora do próprio imóvel para adimplemento do débito existente.
Todavia, cabe destacar que não basta somente a análise das condições atributivas ao imóvel, mas também, às condições inerentes ao vendedor, assim vejamos a seguir.
III. DOCUMENTOS DO VENDEDOR
No que diz respeito a análise das condições do vendedor, importante uma análise ditosa, quanto à existência ou não de processos judiciais em desfavor do vendedor, e ainda, em que fase processual a demanda judicial se encontra.
Nesse sentido, tal análise é importante, mesmo que na matrícula do imóvel não conste nenhuma averbação premonitória. Para fins de esclarecimentos, o instituto da averbação premonitória, se dá quando o credor/autor da demanda judicial averba na matrícula do imóvel, a existência de demanda judicial em desfavor do proprietário do imóvel, para fins de publicidade e conhecimento de terceiros, mesmo que o processo sequer tenha sido finalizado.
Tal diligência, permitirá que o terceiro interessado na aquisição do imóvel, verifique a existência de processo judicial, e avalie os riscos antes de concluir o negócio, pois, em caso de análise errônea, poderá vir sofrer a perda do imóvel, por condições favoráveis e anteriores ao crédito constituído pelo credor/ajuizador da demanda.
Não obstante, não se faz exclusivo somente a análise citada, pois, em certas circunstâncias será exigido uma análise mais cautelosa/complexa, como por exemplo, a análise das demandas judiciais que tramitam em desfavor do vendedor e que não constam registradas na matrícula do imóvel.
Cabe trazer à baila, que tal situação está perpetuada no sentido de proteger o interesse dos credores/demandantes judiciais em situações que a alienação do imóvel possa reduzir o vendedor/devedor à condição de insolvência.
Quando se trata da situação mencionada, estamos a abordar o instituto da fraude à execução, disposta no art. 792, inciso IV do CPC, veja-se:
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
§ 1º A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente (Brasil, 2015).
Entende-se por insolvência, quando o devedor possui dívidas maiores que os seus rendimentos/patrimônios, razão pela qual, o impossibilita de arcar com as obrigações contraídas.
Desta feita, considerando a existência de uma ação de execução em desfavor do vendedor, e considerando que este possui um único imóvel para responder com a dívida existente, e se configurado a condição de insolvência do vendedor, o exequente/demandante terá a faculdade de arguir fraude à execução, o que tornará a alienação do bem ineficaz, na inteligência do art. 792, §1º do CPC.
Por outro lado, tal instituto só deverá ser observado, caso o alienador possua exclusivamente um único bem para responder com a dívida, caso haja a existência de mais bens, o alienador terá a livre disposição de seus bens imóveis, desde que os outros sejam suficientes para adimplemento do débito.
Nesse sentido, o que se espera de uma negociação imobiliária, é a boa-fé de ambas as partes, mas como é sabido, nem sempre há a configuração daquela, daí, a necessidade do empenho/diligência do comprador quanto à análise das circunstâncias essenciais para mitigação dos riscos.
Cabe trazer à baila, alguns dos documentos que devem ser analisados quanto ao perfil do vendedor, quais sejam, as certidões: i) judiciais; ii) fiscais.
Em lógica, necessário observar também se há a existência de dívidas em desfavor do vendedor, e qual a natureza da dívida, pois, a depender poderá impactar na concretização do negócio.
IV. CONCLUSÃO
Em síntese, chama-se a atenção que o comprador deverá agir com zelo no momento prévio à aquisição do imóvel, analisando todas as circunstâncias que envolva a operação, para que seja alcançada a tão sonhada segurança jurídica no negócio imobiliário.
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STJ. AgInt no Resp. 1851742/PR. 3. Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 29.06.2020. DJe 01.07.2020.
STJ. AgInt no Agravo em Resp. 2030636/PR. 4. Turma. Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 23.05.2022. DJe 27.05.2022.
Gonçalves, Carlos Roberto Direito civil: obrigações – contratos – parte geral – v. 1 Carlos Roberto Gonçalves coord. Pedro Lenza. – 11. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021.
Fonte: Migalhas
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